Wednesday, May 31, 2006

lição n°1













kandinski



Lição nº 1

A folha de uva
me ensina mais que as teorias.
O olhar do garotinho mestiço
do terceiro andar.
Yáyá do 607, com suas palavras-
arnica curando minha alma esfolada,
entre rosquinhas e sorrisos...
Uma marmota na TV, olhar astuto,
dorso estirado de manequim...
Também me ensina a ser zen,
o desenho oriental em tinta nanquim.
Sinfonia & chuva &
a epopéia terna - um filme na parede -
de cenas que resgato dos cílios
do filho adormecido...
Um cem número de visões, sabor e sons,
que degolam as vãs teorias,
um livro humano que me ensina
a entender a vida.
Bárbara Lia

Monday, May 29, 2006

deserto metafísico














Sebastião Salgado
refugiados do campo de Korem,
Etiópia, 1984


DESERTO METAFÍSICO


Tenho sido estrangeira na vida,
refugiada em um mundo áspero de
versos rasgados ao vento.
Sei o quanto arde voltar dez passos,
olhar para trás e ver apenas -
o vazio.

Vaso amputado do jardim,
posso ver com olhos de areia
e ter certeza...
Mais belos os cadáveres ambulantes:
o opaco semblante do menino morto
e do pai apático,
a mãe que volta
-como se voltam sempre as mulheres-
atrás da última esperança...

Mais belos e mais vivos que almas perdidas
no deserto metafísico do ódio
- os mortos vivos -
Refugiados do mundo da beleza
ateando fogo a oásis alheios

disseminando espinhos,
rindo em galhos retorcidos
- hárpias angustiadas -
Eu não os decifrarei nunca
pois não tenho a senha.
Em meus ossos está a senha
que abriria o coração dos tristes.
Eu não reconheço os tristes -
a água de canela venenosa
que me dão de beber,
seus cantos de salmos ao avesso
tramando meu fim, e eu ali
sorrindo de peito aberto.
Morrerei acreditando
como a mulher que se volta no deserto
à espera do milagre.
A dizer pedra quando for pedra
e nuvem quando for nuvem.
Morrerei com aquele olhar de espanto
de quem não acredita até o último instante
que foi atraiçoada pelos tristes.
Se o menino morto abrisse os olhos
Eu lhe diria que ele é mais vivo
que os mortos vivos manipuladores de vidas.
Do deserto de suas almas ressequidas
brotam abutres invencíveis
que comem minha carne até os ossos
e lêem a minha senha escondida.

BÁRBARA LIA

as times goes by


You must remember this
A kiss is still a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
as time goes by...
*

Sunday, May 28, 2006

noite de poesia

























Mano Melo enviou o convite, quem está no Rio pode ir lá no dia primeiro neste lançamento conjunto. Quando li o título do livro do Claufe Rodrigues, lembrei o poema dele que está no livro - Poemas Para Flauta & Vértebra - (Diadorim Ed. Ltda-1.994):
.
ESCREVA SUA HISTÓRIA
.
Escreva sua história na areia da praia
para que as ondas a levem através dos 7 mares
até tornar-se lenda na boca de estrelas cadentes.
Conte sua história ao vento
cante-a nos bares para os rudes marujos
aqueles cujos olhos são faróis sujos, sem brilho.
Escreva no asfalto, com sangue,
grite bem alto a sua história
antes que ela seja varrida na manhã seguinte
pelos garis.
Abra o peito na direção dos canhões!
Suba nos tanques de Pequim!
Destrua as catedrais de Paris!
Defenda a sua palavra.
A vida não vale nada
se você não tem uma boa história para contar.
CLAUFE RODRIGUES
.
LENDO CARTAS DE VAN GOGH A THEO
.
Escrever é o que resta.
Espremer os sentidos como uma laranja.
Ouvir os sons do silêncio mudo
NO burburinho da cidade imunda,
Com suas inumeráveis descargas abertas e tortas
Seus miseráveis abortos de carnes vivas e mortas
Olhando pela janela do ônibus
Andando a pé
Sentado no último vagão do metrô vazio
Passeando entre os iguais de diferentes tribos
Vou fazendo versos.
Cru cozido grelhados assim e assado
E et caterva
Assim escrevo.
Mergulhando no lago largo e amargo de amor e lama
Chamado o âmago
Em busca da melhor forma de expressão.
Descobrir a cor de cada palavra
Como Van Gogh descobriu as cores de cada cor.
MANO MELO
- O Lavrador de Palavras.

Friday, May 26, 2006

Koproski





Impacientes os vermes vêem todo esse morrer. versos,
verdades, vestidos, vícios, vênus, vinhos. os vermes
enquanto esperam queimam as asas de cereja das borboletas

e morrem em vermelho todos os nomes do amor.

FERNANDO KOPROSKI
Tudo que eu não sei sobre o amor (Travessa dos editores)

Fernando Koproski nasceu em Curitiba, em 1.973, publicou entre outros, Manual de ver nuvens (1.999) Tudo que não sei sobre o amor (2.003). Traduziu poemas de Charles Bukowski - Essa Loucura Roubada que Não Desejo a Ninguém a Não Ser a Mim Mesmo Amém ( 7 Letras).
*

Wednesday, May 24, 2006

tábula rasa





TÁBULA RASA


As portas da cidade branca.
Abertas, par-em-par.
Meu espírito, tabula rasa.

Antes da data no tempo gravada,
Para alcançar a sacrossanta cidade.
Sigo beijando vermes,
Como se fossem jasmins.


BÁRBARA LIA


primavera 2.002

Monday, May 22, 2006

lady sol



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Campanário Ayacucho - Peru



LADY SOL


Por invejar a solidão
Da concha,
Da estrela,
Do sino ébrio...
Felicidade singular
De brilho & estrondos.
Mudei meu nome.


Como mão na luva,
Deslizei
Lerda e lenta
Para esta nova identidade:
Tem um calor de chá de anis,
Um pijama macio e quente – pantufas!
Tem lua lilás e Beethoven.
E tem uma saudade.


Ah! Vedei as portas...
Não tente entrar sorrateiro
Como na noite branca,
Com a beleza de suas mãos
& acordes.

BÁRBARA LIA

Wednesday, May 17, 2006

ODE VERMELHA DE OILIGRIV





“Se Deus não existe, tudo é permitido”.
(Doistoiévski)

ODE VERMELHA DE OILIGRIV
(ou, sobre alguns dias em que São Paulo foi refém de Camacho)


Leu Dante na cela,
e incorporou um anti-poeta:
Virgílio às avessas.
Abriu o porão do ódio,
e não havia rosas se abrindo em elipses de céu...
Mostrou o reverso da trilha em uma Divina Tragédia -
como se desce fácil do céu ao inferno.
Conduziu com maestria seu exército negro,
bastou lembra-los:
Que eram rotos demais para andarem pelo Shopping,
feios demais para sentar na primeira fila do concerto,
quando a Orquestra Filarmônica tocava a Sinfonia da Paz.
Fedidos demais para irem a restaurantes
com suas toalhas de renda, suas cortinas de
tafetá da cor das areias do Saara.
A vida vendida em anúncios que eles nunca puderam comprar.
E sorrindo, em close, arquitetava em capítulos
a sua Ode Vermelha, o anti-poeta.

Oiligriv nome de cavaleiro do Apocalipse.
Um demônio, ou alguém para lembrar que aquilo que o amor
não alcança o ódio abraça.
O que o regime não recupera,
o crime incinera em promessas cinzas,
última escada do desesperado.

BÁRBARA LIA

Tuesday, May 16, 2006

chiaroscuro





chiaroscuro  


Hora suspensa. Horizonte de sangue.
Despediu-se o sol, não brilha a lua.
Barcas estremecem em marés de fogo.

Sinos dobram a Ave-Maria.
O Bem chora a evaporação do dia.
Lágrimas de anjos pela humanidade crua.

Encontro e fuga de almas no ocaso,
Bebendo o sangue solar – poção
De luz para os dias de aço.

Crepúsculo incendiado.
Átimo de esperança: Um Serafim alado,
Flauta de estrelas flana acima de algas e corais.

Toca a música divina estremecendo cristais.
(Jazz, blues, salsa cubana, sinfonia?)
Som azul unindo sangue celeste e marinho.

Serafim, flauta e sol
Evaporam em silêncio de prece.
A branda noite abraça o arrebol.

O eco da flauta aos puros adormece.

BÁRBARA LIA
(O sorriso de Leonardo - Kafka ed. baratas)

Monday, May 15, 2006

michel sleiman

















La vague - Bouguereau


Qasîda de Dionísio

Com Dionísio
ergo-me e brindo-te comigo:

borbulhas
palavras!

Bebe-me,
terás o ar da vida.

Bebe-me, e esquece
o que teus ombros inclina.

Estou em flor
nas encostas da vinha,

afasta de mim
a triste ermida.

Olha-me menino
reviro a areia...

Molusco em concha
esquecida, descobre-me

nas dobras do sal
nos enlevos do mar.

Nas dobras do sal
enleve-nos o mar.

Uva
sem sumo,

saliva
sem residência.

Não resistas,
desejo o teu alarme de vida.

Embriaga-te
e deixa falar-te o meu idioma.

Sereia nos ganchos
de anzol de delírios,

sou a margem,
o costado solitário.

Colhe-me e terás
o céu de tempos idos.

Tempo incriado, eu
faço-me a tua origem,

a mãe que te levou
oxigênio às artérias.

Vê-me,
estou no espelho de tuas águas.

Sabe-me a cor
que em mim deleitas,

sou a refração,
sou a refração.

E adeus,
se fui o que me foste...

casca da árvore, a seiva...
esta é a última chuva.


Michel Sleiman

Poeta e Professor de Língua e Literatura Árabe na Universidade de São Paulo (USP). Publicou A Poesia Árabe-Andaluza: Ibn Quzman de Córdova.

razuma



RUIDADO PARA ELA
.
"A chuva é melhor agora
que não temos pressa
ou destino.
Só essa janela
(a vida que nos é alheia)
nos revela
o anseio de sair.
.
Não insistes
só recolhe o calor
que deixei em tudo
como sol.
.
Na chuva
a casa é tão pequena
não cabe - eu juro!
a febre do teu ventre
o fácil do meu riso
nem o filme
que por hora nos mensura."
AZZUMA

Ricardo Azzuma - Curitiba, escreve no blog:
http://www.umchimacomnietzsche.blogspot.com/
*
O último verso do poema do Michel Sleiman publicado acima inspirou o título de um poema e de uma nova história que escrevo, aquele verso - Esta é a última chuva - choveu. Molhou o sentido de urgência, pois a gente nunca sabe quando será a última chuva.
A ÚLTIMA CHUVA

Eram retalhos
rascunhos
partituras rotas
odes em desordem.
Eram cinza e vento
iceberg
ancorado no cenário.
Eram estranhos
vozes de estanho
melodia brega.

És!
Música
que estremece cristais.
Som
do desmaio
da neve nos roseirais.
Plácido barco branco
no grego mar azul.
Sorriso
que clareia a cena.
És!
O piano
a orquestra
o poema
a rima rara
És o que É.
.
BÁRBARA LIA

Friday, May 12, 2006

NO ENCANTADO SILÊNCIO DAS AREIAS DE MAPUTO


















WHITE SAND - MAPUTO
Maurício Matos

NO ENCANTADO SILÊNCIO DAS AREIAS DE MAPUTO


Entre estrelas
entre algas
entre brancos lençóis
e paredes brancas.
Vermelha viagem da vida nas veias.
Instante que precede ao nascimento,
também à morte.
A morte é um silêncio suspenso.
...E o sol, um silêncio vermelho.
Nuvens em seu passeio,
diante da janela deste apartamento.
Tem uma sinfonia em tons vários,
que gritam – SILÊNCIO!
Silencio. Branca como estrelas e algas,
passeio brancas areias de Maputo,
olhando ao redor em busca de Mia Couto...
ansiando que ele me ensine a estrondar
o encanto.

BÁRBARA LIA

Thursday, May 11, 2006

poema






crescente
a lágrima
a lâmina
ceifa sorrindo,
no lodo,
o lírio.

BÁRBARA LIA

cinéfila - shadows in the sun




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Shadows In The Sun (The Shadow Dancer)
de Brad Mirman
com Joshua Jackson, Harvey Keitel, Claire Forlani, John Rhys-Davies, Giancarlo Giannini, Armando Pucci, Jake Broder, Stomy Bugsy, Valeria Cavalli, Silvia De Santis, Albert Dray e Ken Drury
(Itália, Reino Unido e França 2005)
Harvey Keitel incorpora o escritor que parou de escrever após a morte da esposa. Vinte anos sem escrever, vivendo em uma vila no interior da Itália. Alguns momentos que captam mesmo a alma de quem escreve. O olhar do escritor sobre o mundo e as coisas. O casal romântico não alcança a força de Harvey Keitel que vive Weldon Parish. Escritor que recebe a visita de um jovem editor, aspirante a escritor que deseja convencer Weldon a voltar a escrever...
Em dias nublados e sem respostas, para não pirar, esta poeta dá um lucro imenso à locadora de vídeo do prédio ao lado. Lá tem a Conceição, que ama Literatura. A Conceição manja tudo de Literatura e já trocamos altos livros e até li uns contos fantásticos de Guy de Montpassant que ainda não conhecia, pois a Conceição gosta mesmo de quem escreve bem. Temos tido um diálogo muito frutífero.
É claro que o filme não é magnífico, mas, consegue dar um alento, uma certeza que o escritor continua sendo escritor, mesmo quando para de escrever. Ele nunca vai mesmo olhar com olhos comuns o sol se pondo, nem a mulher, nem a noite, nem as estrelas.

Monday, May 08, 2006

4. MENINOS DE 1.944















Frei Betto - 25.08.1944

4. MENINOS DE 1.944

Esse ano - 1.944 - que recebeu um olhar especial de Deus trazendo o grande Cartunista, o Poeta que marcou uma época, o nosso maior artista- Chico, e um Frei que ainda luta pelos direitos humanos, e por mais que eu - em tão pouco tempo sem uma militância como a dele - já esteja desanimada de tudo, chutando o balde nas lutas pelas igualdades e pelo amor, eu que estou consumida em cinzas de fogo que não forjaram nada, que não serviram para melhorar o mundo nem salvar meu coração, nem trazer meu amor, vejo meu amigo indo sempre com uma inabalável coragem. Percebo isto na vida dele, que segue pelo mundo em seus seminários e palestras.
"Estou indo para a Itália" ele me conta naquele cartão lindo, adornado com uma igreja de Tiradentes, e me incentiva com a idéia do meu livro artesanal, e diz que os anjos da poesia estão vivos e que a poesia chega mesmo em grande número às finais de concursos importantes como o Jabuti. Frei Betto nasceu no dia 25 de agosto de 1.944, sua festa de aniversário de dez anos foi água abaixo por conta do suicídio de Vargas. A minha vida de menina foi soterrada pela frase - Eu nasci um ano após o suicídio de Vargas - por fim, a poesia sanou esta referência histórica e eu nasci na mesma data em que nasceu Leminski - 24 de agosto. Foi nesta coincidência de ter nascido em uma data próxima ao aniversário do meu amigo Frei Betto, e de ter incorporado a poesia e não mais um suicídio ao meu aniversário, que descobri a coincidência de grandes ícones terem nascido no mesmo ano. 1.944 - um ano abençoado.


Fragmento do livro
A Mosca Azul (Ed. Rocco)

... Naquele frescor da adolescência, meu único pecado era o saudável despertar da sexualidade, o jorro de sêmen em homenagem às misses da revista "O Cruzeiro" metidas em maiôs Catalina, as putas da rua Gaicurus fingindo-se de mais novas enquanto eu me disfarçava de mais velho, nesse intercurso silente e cúmplice entre dois seres que se dão em intimidades, um em busca de prazer, outro de dinheiro, antípodas intransponíveis...
...Todos somos discípulos de Sócrates, nós que antepomos os jovens ao velho mundo, à velha ordem, e negamos os deuses de conveniência do mercado.
Nem tudo, entretanto, era sombrio. Naqueles idos da Nouvelle Vague e Marilyn Monroe, de Oscarito e Grande Otelo, havia a festejar as derrotas do Império: os vôos do Sputinik, o êxito da Revolução Cubana, os barbudos sorridentes de Sierra Maestra, o fracasso da invasão da Baia dos Porcos, a surra levada pelos americanos no Vietnã, a revolução musical dos Beatles, o maio de 1.968, o corpo ostentando sua carta de alforria, o velho mundo chegando aos seus estertores. E eu era parte do futuro, artífice de uma história implacável, irreversível, o alvorecer de todas as esperanças. O tempo amadurecera. Imune à mosca azul, Che abandonou seu cargo de ministro, as loas do poder, e anônimo, meteu-se no Congo e, em seguida nas selvas da Bolívia. Pulsava célere o coração da América Latina: um, dois, três Vietnâs!... Em minhas mãos, modelava-se o feto de um novo mundo, o imperialismo agonizava a olhos vistos, e em seu enterro eu lá estaria para jogar o meu punhado de terra.
Quanta ilusão! Aos poucos, a avalanche do arbítrio castrense soterrou o Cone Sul: Brasil, Chile, Uruguai, Argentina, Peru, Bolívia... As descargas elétricas calcinaram sonhos, abriram feridas históricas (ainda incicatrizadas); semeou-se a cizânia por todos os cantos, filhos contra pais, pais contra filhos, famílias rachadas ao meio, e as mães compassivas, porém corajosas, de delegacia em delegacia, quartel em quartel, necrotério e cemitério, em busca de filhos desaparecidos. Até hoje, ao menos no Brasil, a farda insiste em promover o olvido, desmemoriar a nação e impedir que atrocidades cometidas em nome da lei sejam por todos conhecidas. Contudo, o governo, ao iniciar a abertura dos arquivos da repressão, joga luz sobre as trevas...
FREI BETTO

3. MENINOS DE 1.944

3. MENINOS DE 1.944























Chico Buarque (foto - joão wainer)
19.06.1944

Cala a boca, Bárbara
Chico Buarque - Ruy Guerra
/1972/1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra


Ele sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu
Os meus rios
Os meus braços
Ele é o meu guerreiro
Nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha o fogo
Cala a boca
Olha a relva
Cala a boca,
Bárbara
Cala a boca,
Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina
Onde guardo o meu prazer
Em que pântanos beber
As vazantes
As correntes
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca
Olha a noite
Cala a boca
Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca Bárbara.


- Sem poesia para Chico. Diante da arte dele tudo cala.
Tarde aprendi que algumas coisas não cabem dentro
das palavras.
Isto lembra Mia Couto:
"Diante do amor
ela arrepiou o coração:
não tenho asas para tanto paraíso"


2. MENINOS DE 1.944

2. MENINOS DE 1.944

















Paulo Leminski
24.08.1.944 - 07.06.1989

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
Paulo Leminski - La vie en close

*
Mais um epitáfio para
Paulo Leminski

Em terra sem poetas
Quem tem um olho é Camões

Edson Falcão
Curitiba (PR)
- O ossário de um ferreiro -
Torre de Papel 2.003

Sunday, May 07, 2006

1. meninos de 1944





















Henfil
05.02.1944 - 04.01.1988

deus sorrinso na varanda


























Varanda amarela - wagner forte


DEUS SORRINDO NA VARANDA


O quintal de Deus é o céu.
Um paraíso em uma ilha.
Alcançaremos quando formos náufragos.

Aguaçal encoberto de dor,
nascituro rompendo em harmonia

a eternidade - Deus sorrindo na varanda.

BÁRBARA LIA


Deus sorrindo na varanda, publicado com mais quatro poemas com
o título - Extracéu.
Revista Coyote nº 10 - Primavera de 2.004

*
A Revista Literária Ontem choveu no futuro - editada por Douglas Diegues e Cristina Livramento, publicou o poema Réquiem, ele é um tanto longo e já foi publicado duas vezes no blog, para ler
Réquiem - está neste post do chá. o poema publicado no nº nada da Revista editada em Campo Grande:
http://chaparaasborboletas.blogspot.com/2005/10/rquiem-brbara-lia-acreditava-que-eram.html
*
Na Feira do Livro de Cuba, no século passado, em 1.999, o Jornal Literário Garatuja editado pelo poeta Ademir Antonio Bacca publicou uma edição em Espanhol especialmente para a Feira do Livro, que acontece sempre em Fevereiro, participou desta edição um poema meu "Tatuaje".

caminho
















Publicado na revista Ala de Cuervo (Venezuela)
junho 2.005:
http://www.aladecuervo.net/


CAMINO

Había una aurora boreal en el libro del abuelo,
La leyenda china, las campanadas siniestras
Del reloj de madera, arco iris, lluvias,
Riadas, la abuela recitando Alan Poe.

Había un olor de canela, pastelillos,
La leña ardiendo rojo-vivo,
El dulce cantar de las cigarras,
El primer amor, ecos de Woodstock.

Una niña desnuda corriendo de la guerra,
Una cascada, canciones de Assis.
Ojos claros que eran océano y cielo.
.
Había en el alma el torrente de la vida,
Y escribí la primera sílaba,
La segunda – y hasta hoy escribo – ¿cuántas miles?





O poema "Caminho" foi publicado pela primeira vez na revista Etcetera (Travessa dos Editores) dentro do encarte - Chá para as borboletas - Abril de 2.004.

CAMINHO


Havia a aurora boreal no livro de vovô,
a lenda chinesa, as badaladas sinistras
do relógio de madeira, arco-íris, chuvas,
enxurradas, vovó recitando Alan Poe.

Havia o cheiro de canela, bolinhos,
a lenha ardendo vermelho vivo,
o canto doce das cigarras,
o primeiro amor, ecos de Woodstock.

Uma menina nua correndo da guerra,
uma cascata, canções de Assis.
Olhos claros que eram oceano e céu.

Havia na alma a torrente da vida,
escrevi a primeira sílaba,
a segunda – até hoje escrevo – quantas mil?
BÁRBARA LIA

Saturday, May 06, 2006

o sorriso de leonardo

ILHA DO MEL
















cestovni kancelár
http://www.soleada.cz/fotogalerie/brazilie/



Gaivotas pousam estacas
Entristecidas
Corredor surreal
E marinho
Tarde sem sol
Mar verde em acalanto
Montanhas em azuis
Distâncias
Nuvens a formar
Espectros no horizonte.
Esta barca 'Estrela-da-manhã'
Este capitão menino.
Entre céu e mar:
Ar cinza
De incêndio adiado.
Mistérios de agosto
Sem ti.

Bárbara Lia
O sorriso de Leonardo
- Kafka ed. baratas
pg.13


Friday, May 05, 2006

jornal rascunho




DEUS NO ORVALHO
.
(para Jorge Luis Borges)
.
Jardim perfumado de Istambul.
Sol intolerável beija a rosa azul
no vaso branco, dois cães cor da lua
ao redor.
Teus olhos se perdem na rosa nua.
Olhos da cor do Mar Cáspio na aurora.
Gota de orvalho baila na pétala.
Cristal.
Ponto no espaço – Aleph
descortina o universo.
Sonhos enxertados de sóis, desertos,
aromas, fauna, primavera, borrascas.
Todo universo na gota clara
que cobre a rosa. A lágrima desce solar
ao lábio carmesim, e o peito arde de amor e luz.
BÁRBARA LIA
*
.
O QUE ME PERTENCE
O que é maior que eu
faz parte de mim.
A chuva cabe no mar,
a areia no deserto. Sempre foi assim.

O que é maior que eu
abraço feito fosse Deus.
As coisas pequenas vazam.
Choro por elas, uma noite talvez.

No outro dia
sol clareia a alma.
Descubro o que é meu

para sempre. Os sonhos, as lembranças.
Nossos passos calmos na areia.
O riso dos meus filhos, isto me pertence.
BÁRBARA LIA
*
Celulose pura -consiste em publicar no blog uma sequência de poesias que foram publicadas em revistas e jornais não virtuais.
Como estes dois poemas que foram publicados pelo Rascunho em junho/2.003.
*

Monday, May 01, 2006

jamil snege







Na primavera do ano dois mil eu estava no burburinho da Rua XV, meio ao tumulto de um ano eleitoral. Parei para falar com alguém e quando olhei à direita, eu o vi. Recebi aquele momento como um presente. Mesmo que ele tenha morrido sem saber do meu olhar cheio de reverência. Ele estava saindo da Livraria Ghignone. De camisa azul clara social e calça jeans. Magro, com um cigarro na mão, com um charme fatal, displicente. Ele esperou um senhor que saiu da Livraria logo após, e seguiram pela Rua XV, conversando. Eu lembro de ter pensado, enquanto guardava aquele instante carinhosamente dentro da minha alma:
- Lá vai o Escritor!





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trecho da crônica A Arte de Tocar Piano de Borracha:



A historinha retrata com alguma maldade a nossa velha Curitiba de guerra. Um piano de borracha à sombra dos pinheirais. Se você quiser tocar, pode. Mas não vá exigir que alguém escute. Ninguém viu, ninguém ouviu e quem ouviu fingiu que não viu... que estranha surdez é essa que congela a sensibilidade da nossa velhinha de 300 e tantos anos? Vocês conhecem outra, de igual porte e mesma faixa etária, que se comporta assim... Temos de conviver com a dissimulada vovó de ouvidos moucos, um cobertor sobre os joelhos, a dormitar ao lado de um fogão a lenha apagado. Vovó-ogre, inofensiva apenas na aparência. O grande Octavio Paz, que jamais veio a Curitiba, parece tê-la pressentido quando encerra assim um de seus poemas. 'Falo sobre a cidade, pastora de séculos, mãe que nos engendra e nos devora, nos inventa e nos esquece.'
- Como tornar-se invisível em Curitiba (Criaredições)
JAMIL SNEGE


Jamil Snege morreu em maio de 2.003.



Recortado da revista Caros Amigos - Leo Gilson Ribeiro escreveu (é mais ou menos esta a palavra que traduz uma leitura de contos de Jamil Snege)
"...o curitibano Jamil Snege, que li perante uma platéia de duzentos e tantos alunos e alunas em Diadema, cidade-dormitório em torno a São Paulo. Lembro-me que uma grande parte dos estudantes universitários ficou siderada com os contos de Jamil Snege."
Publicou crônicas, quinzenalmente, no Caderno G do jornal Gazeta do Povo.
Como Eu Se Fiz Por Si Mesmo (memórias, 1994)
Os Verões da Grande Leitoa Branca (contos, 2000)
lançados pela Travessa dos Editores, entre outras publicações.
Publicitário, um dos maiores em marketing político do País.

La nave va...

Um dedo de prosa

  Fui selecionada, ao lado de vários escritores e escritoras, para integrar o projeto "Um dedo de prosa". Um dedo de prosa promove...