Wednesday, April 11, 2007

GABRIELA (Rodrigo Madeira)




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(foto de Rebecca Loise, que aciona a máquina, e corre para a cena,
segurando a sacola branca que é minha, dentro dela tem o livro
do Madeira)
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Gabriela abriu o guarda-chuva na noite, depois ficou assim, leve sempre, agachada na calçada. Quando li o livro do Rodrigo Madeira, mesmo sabendo que a poesia da página 38/39 não era para a nossa gabriela, a poesia é dela. Gabriela Caramuru, uma poeta que tem como ídolo Rosa de Luxemburgo, e briga com a guarda municipal quando não trata com carinho os moradores de rua. Todo mundo merece amor. Este é o socialismo mais poético, estar perto da Gabi me faz crer de novo - fico olhando e pensando - são perseverantes - Ela, Pedro Carrano, Frei Betto, eu queria ter esta fé na utopia mais bela - Niemeyer comunga desta certeza que fatalmente o futuro viverá este socialismo verdadeiro, eu ando desencantada, a ponto de pensar em colar o lema da minha amiga Gabriela na parede do meu quarto... "Ela virá, a revolução garantirá a todos o direito não somente ao pão mas tambem a poesia". Gabriela existe!
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gabriela
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não há beleza de vedete, de corista, de cigana.
precisa-se de dedos longos para enxergá-la:
um quadro de joan miró.
é preciso dar-lhe uma segunda chance.
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seus cabelos soltos pactuaram com os incêndios.
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ela se recolhe em algum lugar onde as palavras
já não prestam, ou de repente
abre um guarda-chuva
de silêncios.
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ela caminha, ela caminha.
tem a delicadeza de uma criança tomando aulas de balé.
com charme trivial, parada e volitante, uma sobre a outra,
fecha as mãos em concha. quer resguardar
um passarinho ferido que colheu no jardim.
antes de dormir, aninha-o em sua boca, e de sua saliva
ele bebe as águas.
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assim que desabrocha o dia, assim que içam o sol, inundada
de um amor que deseja muito matá-lo - a ele que já se recobrou
-,
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gabriela gentilmente cospe-o nas pequenas mãos e as abre:
sonha ir junto.
o vôo.
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onde pousará tanta alegria?
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de onde em onde, a pele de gabriela desmancha
como asas de borboleta e gradações do ocaso.
gabriela existe?
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sua santimônia tem coxas grossas
e um resfôlego que voto ao mar.
gabriela e as coisas, faço parte?
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não importa.
esta estranha casa já foi minha.
este edifício de luzes acesas no meio da insônia.
este garimpo de globos oculares (à noite)
este cavalo atravessando o quarto (à noite)
estes coveiros cortando as unhas. não importa.
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embora olhe com penetrantes vocativos, cuido-a dizendo
umas poucas dúzias de palavras: passe o pão, por favor!
mãe, vai chover, melhor recolher as roupas!...
coisas simples.
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e, no entanto, olha-me com olhos tagarelas.
olha e pensa.
olha e olha.
gabriela,
aprendi o sotaque de teu silêncio.
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RODRIGO MADEIRA
(Sol sem pálpebras -
Curitiba - Imprensa Oficial, 2.007)
A Secretaria da Cultura do Estado do Paraná acaba de publicar os livros dos poetas Rodrigo Madeira, e Márcio Davie Claudino (O sátiro se retirou para um canto escuro e chorou). Breve teremos lançamentos e recitais e etc e tais.

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