Sunday, April 05, 2009

Luis Serguilha por Jairo Pereira


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UMA POÉTICA QUE PROVA O SIGNO A FRENTE DO PENSAMENTO



O arquétipo do poeta pra mim, era e ainda é, a figura de um velho cego falando sem parar sobre o topo de uma montanha. Arauto ou rapsodo!? As palavras correndo na frente do pensamento e tudo num enliado que o próprio discurso vai enliando, tecendo, como uma imensa rede de ditos. Inteligível ou não, de todo o conteúdo lançado ao espaço, parte seria apreendida e muito bem aproveitada. Imagens. Imagens. Sons. Significados… O discurso se impondo, sem preocupação de clarear caminhos, mas apenas por necessidade de existir. Depois de vinte anos, enliado na poesia e seu fazer, me aparece a figura arquetípica de meus sonhos de poeta. O nome: Luís Serguilha, português de Vila Nova do Famalicão. Sua poesia vem em borbotões, tomando tudo, cobrindo de palavras as paisagens internas e externas. Lembra Omeros de Derek Walcott, só que mais mundo interior que exterior. Profundo na pegada. Pancognocedor, a tudo investiga e põe a nu, poeticamente. Uma viagem fecunda, navegar nesse imenso rio de palavras. Rio ou oceano, onde os signos proliferam verdades transfinitas. Interessa além da poesia que se possa analisar, o ser-poeta, Luís Serguilha. Pesquisador incansável de poéticas novas. Amigo íntimo da poesia brasileira contemporânea e seus poetas, com quem vive profícuo diálogo. Uma crítica que se faz além da palavra escrita, além do que no livro é substância e significação, deve realmente centrar-se também no emissor dos signos. O gestor da megapoética, é relativamente jovem, quase sério, no orgulho de poeta que todo português tem, mas amigo e humilde como os grandes de espíritho. Seus livros “A Singradura do Capinador”, “Embarcações”, “Lorosa’e Boca de Sândalo”, “O Externo Tatuado da Visão” e “Hangares do Vendaval”, dão bem a mostra dessa poética livre, auto-criativa, que se expande em signos fortes, instituindo espaços novos. Uma lira prenhe de imagens, metáforas, prolíferas verdades. Mergulhar no oceano poético de Luís Serguilha é conhecer as mônadas originais do dizer, que não se traem, sim espelham as projeções, conquistas do poeta, nos desafios do fazer. Poeta contemporâneo na plena acepção da palavra, Luís Serguilha, quebra o cânone. Inaugura o discurso paradoxal, em espirais ao sabor do espíritho que conhece e tanto mais quer descobrir, conhecer. Há ânsia de procura nas palavras. Ânsia de descobrimento nas imagens atiradas como formigas pra fora do formigueiro. Imagino um poeta brasileiro, com essa fúria do poético, essa avidez de transformar o mundo em palavras, carnavalizar o criado na segunda nathureza, que é a nathureza plena do engendrador, filho do Senhor. O artista que delibera, projeta, constrói e realiza, com os instrumentos possíveis (a sua linguagem) a obra humana. Contraditória, polêmica, essa poética do excesso do “verbo belo” em nosso tempo. Mas cuidado, crianças. Cuidado meninos, versejadores “cocô de cabrito”. No princípio era o caos, a fúria das linguagens. Os precipícios do sem-razão. As falésias de significação. Os turbilhões magmáticos do dizer sem precedentes. Uma poética vulcânica, que ainda ninguém conseguiu destrinchar, decodificar, não pode ser tachada, alinhada, selada na vida de seu tempo. Luís Serguilha, pelo que se vê, está mais preocupado em expor os seus mundos do poético, como lhe vem assim, em borbotões. O panconhecimento de tudo, instituindo o particular. A poesia franca, resultante da abertura de canais com o desconhecido. Infovia da percepção livre. A crítica reducionista, é capaz até de matar o poeta. Matar o verbo em ser. Atirar no passado o que se instituiu com rigor e originalidade. Acredito no sensível, que antecipa os tempos. Acredito nas palavras obrando mundos novos no por aí. Sim, as linguagens tem esse dom, de inovar, inaugurar espaços, em sua nathureza de ser-dinâmico. O poeta Luís Serguilha, como dominador majoritário dos signos de sua criação, finje-se de morto quando convém, e deixa fluir a vida-palavra pro onde quiser. Nesse ato de liberação do discurso, atinge-se o êxtase da criação livre de autor, e muitas inaugurações imagéticas ocorrem. O Luís Serguilha sabe disso e deixa-se estar no processo para o bem da poesia portuguesa contemporânea e universal. Essa action poetic particular de Luís Serguilha, traz Homero na raiz ou confunde-se com a imagem de minhas visões do rapsodo no pico da montanha. Transcendem as sentenças, história e verdades. Estamos aquém do início (nascimento) e além da morte, no transfim a esmo. Inserir-se numa poética que desrespeita o cânone, atropela o próprio contemporâneo quando homeriza o discurso, é perder-se e reencontrar-se na vida e no pensamento. Atirar-se nos redemoinhos dos ditos, pra ver o que se pode haurir dali, dos dínamos ou detratores de significação. Uma aventura (existencial de criação) que assusta pelo megaempreendimento, só pode ser louvada e Luís Serguilha merece atenção. Sua obra constituída pelos muitos livros, dispensa peroração de dúvida de valor. A cobra está morta e o pau repica no chão da lira enthusiasmada. Poucos poetas conhecem como o autor de “A Singradura do Capinador” a poesia que se pratica hoje no mundo. Pode se inferir de tudo que primeiro é um conhecer que se habilita no processo. Depois é o criador, ou ambos juntos, haurindo a poesia que é espelho da alma expansiva do poeta, num arrastão de redes (malhas finas) em mundo interior e exterior. “onde uma categoria de turbilhões procura a eternidade do pântano na ingenuidade da atmosfera/onde o fôlego repercute os mausoléus das enxurradas/o esforço do fogo volátil ordena a indolência calamitosa das árvores”. De “A Singradura do Capinador”, Canto XIII, pg. 59. Vivemos os tempos do pensamento dispersivo. A velocidade das imagens na Net, conspurcando o intelecto. Poetas em sua sina de criadores, obram na palavra a vida. A recusa é regra e injustificada. Poesia não tem editor, preço ou público. Sobrevive dos próprios poetas que se lêem, interpretam e divulgam. O caos e o poético se confundem. Ambos refletem a dinâmica dos mundos em se criando. A missão ou não-missão, sina de poeta, afeita a Luís Serguilha é de enfrentamento de realidades, sentidos. Coragem não lhe falta. Domínio e técnica das linguagens, também não. “Um rio aceso de tigres infinitos é habitado/pelos noivados exaltados dos lenhadores/que enlaçam os escombros das rédeas/solares nas fracções persistentes das clepsidras/trabalhadas desamparadamente/pelos grânulos misteriosos”. HANGAR 15, pg. 131 de “Hangares do Vendaval”. O poeta trabalha com estado de ser e anunciação. Na supermônada pulsante da vida, os signos detentores do conhecimento em alarde. Há uma matriz forte, aparentemente estática, mas ao contrário em plena potência. Dessa matriz invisível, é que o poeta tira a substância preciosa do seu dizer. “As épocas diluídas sobre as entranhas hipnóticas da noite são loucamente/arrastadas pelos acenos unânimes dos pássaros curvilíneos/e os olhos desinvestidos apuram as comunidades dos voos”. De “O Externo Tatuado da Visão”, I, pg. 15. A obra de Luís Serguilha, desafiará críticos e exegetas no tempo e no espaço. Não é um todo que se apreende de primeira, facilmente, como uma poesia de cotidiano, urbana ou rural. Os veios criativos que sustentam essa poética complexa exigem ampla e demorada análise. Complexo no complexo. Os complexos do alto espíritho tomam conta da poesia de Luís Serguilha, prestidigitando o conhecimento, num desafio de especulação ao leitor. Quantos se habilitam a emparceirar os grãos?! Em jAiRo e poeta mezzocrítico de província, não faço mais que cogitar sobre, longe de identificar em detalhes a máquina mantenedora do signos. A poesia brasileira, portuguesa e universal precisa disso, do que não se dá de cara expedito, claro, objetivo. Complexo e poético se confundem. Teias, veios, redes, enliados no próprio enliado. Quem quiser ler calendários, livros de auto-ajuda e manuais de bom comportamento que passe ao largo da obra de Luís Serguilha. “As cartas atléticas das naus elevam-se no nervosismo dos/clarões mastreando o mais breve rito dos apegamentos selvagens/e os andaimes concêntricos do horizonte os arsenais ilegíveis dos pássaros”. De “Embarcações” pg. 151. O poeta é o navegador arbitrário. O navegador das palavras instituidoras do real poético. Tudo tem a ver com o poeta. As imagens de mundos seus, conhecidos na ponta da pena que lavra, e nos experimentos do viver. Arbitrária a navegação se faz quando se colocam antíteses num mesmo barco/valise de significação, e o poeta compõe o que parece impossível. “É no mênstruo dos veios taciturnos/nas pranchas das metrópoles/reaparecidas/que uma sutura da loucura escuta a âncora desenvolvida pelos pianos/fátuos”. In “Lorosa’e – Boca de Sândalo”. A poesia busca o seu lugar, antilugar no mundo. O poeta Luís Serguilha, dá o exemplo de imensos desafios cumpridos. Prova também que a poesia pode mais que a filosofia na inauguração dos novos espaços, sagrações. A poesia contemporânea praticada hoje, contempla acima de tudo o poeta como criador, e não há arte no seu complexo signo-simbólico a exigir mais de autoria. Salve Luís Serguilha na sua coragem, de transformar em arte e sagrado, o produto do ver, sentir, e que a realidade comete o prodígio do desaparecimento.


jAiRo pErEiRa
Autor de O abduzido, Espirithopéia
e outros.



Texto publicado em 02.04.09 no site:
http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/

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