Tuesday, November 01, 2011

tem um pássaro cantando dentro de mim - Bárbara Lia

MAR ABSINTO




***



quando ele corria
pelos telhados de ardósia
as pombas arrulhavam
em ventania
seu casaco - vela sacudida
estremecia
a maré da monotonia




***

DANS L’AIR


DANS L'AIR


Tínhamos a mesma idade
Quando vimos o mar
Este mistério de impaciência
Tínhamos a mesma impaciência

– Rimbaud e eu –

Por isto
Pisamos telhados
Ao invés do chão

Por isto
Machucamos nossos amores
Com nossas próprias mãos

Por isto
As velas acabam na madrugada
Antes que o poema acabe

- Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.



***



A vela acesa, o estábulo, o feno
O vento rutilante lá fora
Uma estação no inferno
Um grito dentro
Que ainda espanta
Em todas as catedrais
As pombas brancas



***

MAR ABSINTO




Nossos olhos de dezoito anos
acomodaram o mar
Sobrou a maré em torno
um sussurro de conchas
a nos acordar nas noites brancas

Nossos olhos de dezoito anos
beberem do mar/absinto
como ao vinho santo.

Nossos olhos negros e azulados.
Uma sereia recolhendo a rede
os corações de dois poetas ali - enredados

Nossos olhos de dezoito anos
Nossas almas milenares.
Nossos amores fracos à soleira da incerteza.
Tanta beleza em ti, Rimbaud!
Tanta ausência em mim!

E nas marquises
bêbados ainda caminham
buscando o sol
que você guardou pra mim



PEQUENO TRATADO DA DELICADEZA

p/Rodrigo de Souza Leão

Rimbaud te espera
No barco bêbado encalhado
Em um mar crispado de turmalinas
- lágrimas dos poetas -
Nas mãos, duas taças de absinto
Para brindar a vida fera
Dois homens de branco
Ancorados na beleza
A repartir
O fogo santo
O espanto
O canto
O eterno canto
Dos poetas...

- Por delicadeza

Perdi minha vida -

Por delicadeza
Entregamos a vida
Aos escarros
Por delicadeza
Entregamos a carne
Aos caninos ávidos
Por delicadeza
Atravessamos a bruma
Com lírios brancos
Nos braços
Rimbaud sempre à espera
Para brindar
A eterna primavera

Páginas 29 a 35 do livro - Tem um pássaro cantando dentro de mim
 

 








TEM UM PÁSSARO CANTANDO DENTRO DE MIM

CANÇÃO PARA JANE E EDITH


Só em pensar que existe um jardim inglês
Um lago retangular pleno de flores d’água
Cercado por lanternas vermelhas e névoa

Só em pensar que sob alguma árvore
Três cavalos meditam ao entardecer
Um branco, um negro, um caramelo

Só em pensar nas similaridades ternas
Viver da minha caneta como Jane Austen
Tricotar casacos para o amado como Piaf

(Recolher ossos espalhados. Cerzir a pele
Lavar sexo e coração para o novo amor
Longe das ruas geladas e do assédio
Dos egos afetados)


Bárbara Lia

La nave va...

Um dedo de prosa

  Um Dedo de Prosa é um híbrido entre encontro de ideias, palestra e debate com o escritor, quer seja realizado em salas de aula, biblioteca...