Monday, September 17, 2012

Ana C.




Tenho medo de perder este silêncio. Vamos sair? Vamos andar no jardim? Por que você me trouxe aqui para dentro deste quarto? Quando você morrer os caderninhos vão todos para a vitrine da exposição póstuma. Relíquias. Ele me diz com o ar um pouco mimado que a arte é aquilo que ajuda a escapar da inércia. Outra vez os olhos. Os dele produzem uma indiferença quando ele me conta o que é a arte. Estou te dizendo isso há oito dias. Aprendo a focar em pleno parque. Imagino a onipotência dos fotógrafos escrutinando por trás do visor, invisíveis como Deus. Eu não sei focar ali no jardim, sobre a linha do seu rosto, mesmo que seja por displicência estudada, a mulher difícil que não se abandona para trás, para trás, palavras escapando, sem nada que volte e retoque e complete. Explico mais ainda: falar não me tira da pauta; vou passar a desenhar; para sair da pauta.
Estou muito compenetrada no meu pânico. Lá de dentro tomando medidas preventivas. Minha filha, lê isso aqui quando você tiver perdido as esperanças como hoje. Você é meu único tesouro. Você morde e grita e não me deixa em paz mas você é meu único tesouro. Então escuta só; toma esse xarope, deita no meu colo, e descansa aqui; dorme que eu cuido de você e não me assusto; dorme, dorme. Eu sou grande, fico acordada até mais tarde.
ANA CRISTINA CESAR (1.952-1983)
- do livro Luvas de Pelica - Inglaterra, Novembro 1.980

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