Sunday, November 01, 2015

massacre 29






encontra-me     ó manhã            no campo do nosso desespero

(Adonis)







Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera
T. S. Eliot

Querido Eliot,
Quando este abril despertou escrevi - fúria fúcsia - em um poema singelo, antena da raça como todo poeta. Antes do fim deste abril, vimos toda fúria (fúcsia) em uma praça pública. Sim, o poeta é vidente... E sangra.
Sonhamos, sempre, que o homem aprende com a História e nos enganamos século após século.
Em cada recanto uma célula de Hitler ressuscita.
Todos os tiranos deixam no ar sua fúria... E de abril em abril o mundo sangra.
Ainda assim, reitero meu poema “Abril”.
De um abril que não vivemos, neste ano da graça de 2015...





Abril





Que venha o Abril Febril!
40° de Poesia e Todo Amor
Que venha o Abril Gentil!
Memória de Cravos e Eliot
Que venha menos Vil...
Apagando a fúria fúcsia
Que venha o Fértil Abril
Adornando almas com rosas

1º de abril de 2015






Massacre 29 *


(Aos presentes em carne e alma, no ataque perpetrado  pelo Governo do Paraná na Praça Nossa Senhora de Salete)




   Então vieram os cavalos
Cascos abrindo o asfalto
A ressuscitar o Trinta de Agosto
De mil novecentos e oitenta e oito
Fantasmas se elevam do chão
Incomodados pela hora da rixa
Atropelados pelo absurdo cruel
Até os fantasmas de 88
Choram ao ver o massacre
   Então, vieram os soldados
Armados até os dentes
Mirando em todo o Adão e toda Eva -
Pelo pecado original da sapiência -
Mentes criativas são belas
É preciso matá-las
Elas brilham em noites perenes
Mudam vidas, abrem mares
   Então, vieram os snipers
Debruçados nos telhados do poder
Cegando os mestres
Rasgando suas bocas
Explodindo seus tímpanos
Mesmo os de estudantes na Praça
   Então, vieram os helicópteros
E bombas feito chuva
Duas horas sem trégua
   Então, veio a fumaça
Rastejante e branca
Invadindo a creche
Magoando inocentes
 “É um filme”
Disseram aos pequeninos
A maldade é um sino
Melhor mentir para não soar
A melodia do escárnio
Nas almas dos anjos
   Então, veio o silêncio
E o zumbido e a dor
Soterrados em uma Praça
- E nem estamos em Gaza –

Curitiba, abril de 2015




*Revisão e cortes de Sálvio Nienkotter de uma versão inicial escrita sob o impacto do massacre...

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