Henri Manguin
“A lentidão das palavras do arcanjo ao acordá-la”
O sagrado despe as ilusões
e abraça as árvores mortas
Suas folhas azul esmaecido
qual manto da Virgem de Cambrai
Os ossos das árvores adoeceram
e elas morreram – azuis -
Antes que tornassem brancos
os seus cabelos
“Sinal cifrado para enovelar o divino”
Trinta e dois ventos
da rosa dos ventos
Vinte e um gramas
do peso da alma
Oito países
a comandar a Terra
UM Deus louco
pelas ruas bombardeadas
(2 Poesias acima - Prêmio Ufes - Literatura/2009)
CIGARRAS NO APOCALIPSE
Quando o poema emerge
Estridente
Emudece o verão
Escurece a primavera
Incendeia o outono
Poetas são cigarras
No apocalipse
Sempiterno som
Canto que incomoda
Sacode as esfinges
As filosofias vãs
Canto ecoa
Em muralhas pagãs
Invade corredores
Cola ao som a hortelã
Das festas de antes
Arranca lágrima cinza
No silêncio laranja
De Guantánamo
O som ardido trinca o sol
Escorre gema zelosa
Na chaga das crianças
Da África inteira
Canta a primavera afogada
Da vida ceifada.
A cigarra segue
No apocalipse sem volta
Anoitece areias de Fallujah
Todas as ruas da Faixa de Gaza
Cigarras no apocalipse
São poetas em desalinho
Gestados no ventre escuro
Ninfas subterrâneas
Emergem em canto e vôo
Ao som da trombeta
De um anjo sem olhos.
CALHANDRA NA TELHA
(Para José María Arguedas)
Musicar uma poesia
Em louvor ao Andes
Até o pássaro condor
Pousar no meu indicador
A dor do som da flauta
A descortinar abismos
O vento a sacudir
A manta da menina quéchua
De olhos cor de selva
Banhada de chuva
No beiral de uma cabana ocre
De janelas negras
E jardim de cactus
Pousará a calhandra
A mesma que guiava o menino
Pelas ruas de Cuzco
Pelas pontes incaicas
Pela sombra do pai
Decreto:
Proibido derrubar
qualquer árvore
(exceto para
construir
berços
e violinos)
Sempreviva
aos
Sempremortos:
Rasguem as encíclicas
as leis e as ordens
Mudem o cardápio da alma
A cada manhã
Meio copo de poesia
Panquecas de sol molhadas
Na clave de Fá
Salpicadas do orvalho
De Shangrilá
BÁRBARA LIA (meu canto à Natureza)