Tuesday, February 28, 2012

MISANTROPO


Tempestade à vista, vento abissal.
Recolher as roupas do varal.

Penetrar a gruta de cristal
Onde a voz de Deus ecoa.

Incenso, cantata de Bach.
Equilíbrio = solidão total.

Bárbara Lia


David Hochney

Monday, February 27, 2012

Dissidentes





Quando te expulsam de um sistema pode ser o inverso do que está no Gênesis. Se te sobrar  um único lugar, pode ser que este lugar seja o Paraíso. E o Paraíso não é muito habitado, mas, é o Paraíso. Sempre que alguém tenta me dizer que não devo ser esta dissidente, que não é salutar se isolar, eu penso nesta verdade que me assusta: Anularam a individualidade. O mundo só existe em comunidade, em grupos. Ter uma mente livre e se sentir completo a sós é algo tão inexplicável e assusta alguns, é como se dessem de cara com um ET. Os rumos das relações neste Milênio assusta. Pego meus papéis, ligo minha música e fico aqui pensando. E não me incomoda pensar. Ainda que Fernando Pessoa tenha escrito que - pensar incomoda como andar à chuva -
Eu amo a chuva...
E amei este texto que fala sobre a Liberdade de Pensar:


"E agora existem forças que enaltecem o conceito de grupo e que declararam uma guerra de exterminação a essa preciosidade, a mente do homem. Através das mais variadas formas de pressão, repressão, culto, e outros métodos violentos de condicionamento, a mente livre tem sido perseguida, roubada, drogada, exterminada. E este é um rumo de suicídio colectivo que a nossa espécie parece ter tomado.
E é nisto que eu acredito: que a mente livre e criativa do homem individual é a coisa mais valiosa no mundo. E é por isto que eu estou disposto a lutar: pela liberdade da mente tomar qualquer direcção que queira, sem direcção. E é contra isto que eu vou lutar com todas as minhas forças: qualquer religião, qualquer governo que limite ou destrua o indivíduo. É isto que eu sou e é esta a minha causa. Posso até compreender que um sistema baseado num padrão tenha que destruir a mente livre, pois esta é a única coisa que pode inspeccionar e destruir um sistema deste tipo. Concerteza que compreendo, mas lutarei contra isso por forma a preservar a única coisa que nos separa das restantes espécies. Pois se a mente livre for morta, estaremos perdidos."



John Steinbeck, in 'A Leste do Paraíso'

Sobrou o cinema...



Quando eu era adolescente eu nunca assistia ao Oscar, por uma norma da casa a televisão era desligada às dez da noite. Sempre via o replay no sábado à tarde. Não tinha a mesma emoção de acompanhar a cerimônia ao vivo, mas, como sempre amei o Cinema, eu assistia e foi assim que o Oscar sempre fez parte da minha vida. Quando fui viver na minha própria casa, incorporei o ritual, ficar acordada madrugada adentro para conhecer os vencedores e viver ao vivo o desenrolar da festa. Ontem dormi no sofá, mas, tentei. Vi quase toda a cerimônia do Oscar, creio que só perdi a entrega do prêmio de melhor diretor e melhor ator. É certo que nada é perfeito e não dá para entender o prêmio de melhor canção. Mas, nós brasileiros somos mesmo especiais. Seguimos com esta constelação de ótimos músicos, samba, bossa-nova e nossos monstros sagrados. Não é um Oscar mal direcionado que vai apagar o brilho da nossa alma musical.
O cinema e sua magia ainda é uma das poucas nuances poéticas que tocam a nossa vida.
Está cada dia mais difícil tocar o âmago da Beleza, traduzi-la. Por isto todos se extasiam quando alguém atira diante dos olhos todo o nosso desejo personificado.

A flor dentro da árvore


“Dame el ocaso en una copa!”


Velhas estradas bifurcadas
Lentas aparições de fantoches
Nas alamedas do nada

Bárbara Lia
A flor dentro da árvore
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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A poesia em QRCode integrou o projeto da poeta Sandra Santos. Exposições de poesias em QRCode no Castelinho Alto Bronze e no Memorial do Rio Grande do Sul, dentro da 57ª Feira do Livro de Porto Alegre.
O livro - A flor dentro da árvore - publicação mais recente. Apresentação do livro AQUI

Thursday, February 23, 2012

Lope de Vega

Desmayarse, atreverse, estar furioso,
áspero, tierno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, difunto, vivo,
leal, traidor, cobarde y animoso;

no hallar fuera del bien centro y reposo,
mostrarse alegre, triste, humilde, altivo,
enojado, valiente, fugitivo,
satisfecho, ofendido, receloso;

huir el rostro al claro desengaño,
beber veneno por licor süave,
olvidar el provecho, amar el daño;

creer que un cielo en un infierno cabe,
dar la vida y el alma a un desengaño;
esto es amor, quien lo probó lo sabe.

Lope de Vega
Poeta e Dramaturgo Espanhol
(1562-1635)


Cena do filme - Lope - dirigido por Andrucha Waddington 

21 gramas

Há um número escondido em cada ato de vida, em cada aspecto do universo. Fractais, matéria... Há um numero gritando, tentando nos dizer algo. Os números são uma porta para entender um mistério que é maior do que nós, como duas pessoas, desconhecidas, acabam se encontrando. Há muitas coisas que tem que acontecer para que duas pessoas se encontrem. De qualquer forma, isso é que é a Matemática.

do filme 21 Gramas


Tuesday, February 21, 2012

Constelação de Ossos - Bárbara Lia








FÓSSEIS ROSAS PROFANADAS



O ar raspando o sangue seco da alma. Alma mutilada a minha. Sangue incrustado em suas paredes desde a infância, algumas feridas já cicatrizadas. Minha alma um painel de Pollock. Onde ainda não cicatrizara, a tinta escorria espessa. Por muitas noites eu não dormia. A cor que mais doía era o amarelo aflito, aquele amarelo gritante. Não sei se algum dia vai esgotar o amarelo de Van Gogh. Como se ele tivesse a chave secreta da desesperança, em forma de girassol. O meu interior borrado, sangrado de cores ardia ao vento, o pulmão ardia ao respirar lufadas de ar puro entre medo e delírio. Raul segue pela Estrada Graciosa, um caminho antigo calçado de pedras, onde abismos se abrem, onde um trem trafega, onde pássaros desnudam suas lágrimas. Quatro passos necessários para aprumar o esqueleto. As nuvens se ordenam atrás das bananeiras. Olho o bangalô e sinto uma ternura de gênesis. Projeto de éden, o recanto de Nyx. À entrada da varanda um tapete tecido em barbante azul cobalto. As pedras da entrada são claras, justapostas formam um desenho branco assimétrico.
A varanda pequena adornada de bebedouros ao redor onde um beija-flor pousa, beija a água adocicada e se vai. Uma rede da cor do trigo maduro. Raul bate na porta, três toques, a porta está entreaberta. Ela não está na casa, eu penso. Silenciosa como um anjo, pousa das alturas ao nosso lado.  Aparece do nada, com um avental verde e um vestido indiano marrom, à nossa esquerda. Primeira visão de Nyx: Olhos negros, pele queimada de sol, cabelos branqueados de lua.  Combina com a cena, com a manhã e o bangalô. Meu corpo ressente a tensão da viagem na garupa da moto de Raul, tiro a jaqueta de couro negra e deixo florir azul a minha blusa. Sopra uma brisa amena da serra e junto uma certeza de que foi excelente aquela idéia de Raul – viver um tempo ali, entre o verde e os pássaros. Senti isto quando desci da moto e pisei a trilha branca com aquela reverência de quem entra em um templo.  Digo olá à minha nova casa e à sua dona que lembra uma sacerdotisa hindu. Tudo evocava o jardim de seda:  Incenso de lavanda a espargir um perfume suave. A tessitura do tapete de barbante de algodão. Com esta imagem de templo zen adormeci. Acordei com uma réstia branca de sol entrando pela fenda da cortina.  Lembrei o sorriso de Raul ao despedir-se e das folhas que ele espalhou pela calçada de entrada quando saiu com sua moto. Eu, vendo o vôo ocre das folhas como lenços de saudade. Pensava na loucura – aceitar uma interrupção abrupta na minha vida para estar ali na casa branca pequena, incrustada na Serra do Mar.
Sei que Nyx medita.
Ouço o som de sua voz a entoar um mantra.
O lugar onde Raul me depusera era ideal para descansar, mas terapia da alma não estava em meus planos.
Estava cansada demais até mesmo para pensar em recomeço. Um fóssil eu era. Meu espírito calcificado jamais voltaria a ser uma rosa virgem em flor. Se uma gota de Deus pingasse em minha língua eu voltaria a florir? Mas, não sabia mais quem era Deus e quem eu houvera sido. O Tei Gi foi minha primeira visão ao sair do quarto.  O quadro diante de mim no pequeno corredor. Ao barulho da porta que se abre, Nyx cessa seu mantra e vem em minha direção.
– Bom dia, Lyn!
Sorrio sem forças para dizer nada. Ela me aceita. Integra-me à cena, como se eu vivesse aquela vida natural desde sempre. Cada célula minha reclama um cigarro.
– Vamos preparar o café?
Nyx me envolve e me abraça, ela anda lentamente e quando precisa fazer grandes caminhadas utiliza uma bengala. Suas mãos cálidas em meu ombro fazem as incertezas ruírem. Vai me dizendo, a caminho da cozinha, onde coloca suas vasilhas e seus mantimentos. Deve ser assim nos mosteiros, as tarefas divididas. Pela janela da cozinha vejo o beija-flor em um vôo eletrizado a bicar o hibisco rosado em uma ternura aveludada. A cor dele é cinza indefinível. Nos dias que se seguiriam eu veria beija-flores verdes, negros, rajados e até mesmo de um azul cobalto. Uma variedade de cores em seu balé de espasmos e as flores oferecendo-se brancas, lilases, vermelhas, como noivas tontas de felicidade oferecendo-se ao amado. Eu veria pássaros debandando na chuva, rasgando as águas em um nado singelo. Eu veria a lua flutuante em suas fases imutáveis, noite após noite diante do meu olhar, na varanda. Eu ouviria o murmúrio das águas deslizando pedras. Aquele era o primeiro dia, de carinho de Nyx e café meio ao verde pululante. Ela diz que me concederá um mimo. Que poderemos tomar café naquela manhã, mas, que ela sempre toma chá. Com o tempo, ela jura que eu não sentirei falta da cafeína, que amarei as ervas e os chás e meu corpo agradecerá por isto. Meu pensamento duvida. O café fica pronto rapidamente. Percebo os gestos calmos dela e tento imitá-la. Comer lentamente, sem pressa, o pão de centeio com a manteiga cremosa. Sentir o sabor. Tão diferente das minhas manhãs anteriores, que começavam ao meio-dia. Beber aquele pingado e comer um pão com manteiga na panificadora da esquina. O balcão de um azul desbotado. Eu equilibrando-me naquela banqueta onde não podia recostar-me. Recostei na suavidade da fina almofada fixa no encosto da cadeira na casa dela. Por um instante pensei nesta falta de cuidado que temos com nossas vidas. Nyx parecia ler meus pensamentos. Sabia que eu estava me sentindo segura. Não mais como quem se equilibra acima do nada. Acima do nada, sempre.
– O que te veio como primeiro pensamento nesta manhã?
Pensei em dizer que primeiro me veio o sol pela fresta da cortina. Depois, falar da falta que senti do cigarro. Mas, quando dei por mim eu já havia balbuciado como se a voz não fosse minha.
– Pensava se uma rosa calcinada pode voltar a ser pétala viva - Pétala e não pedra.
– Quando as chuvas alcançarem as raízes.


Bárbara Lia
Constelação de Ossos (Vidráguas / 2010)






Friday, February 17, 2012

same time, next year / one day





Uma agradável surpresa no Telecine Cult, noite passada. Há muito tempo vi - Tudo bem no ano que vem - o roteiro de Bernard Slade, na verdade uma Peça de Bernard Slade, o filme é de 1978, com Alan Alda e Ellen Burstyn. Quando pensava neste filme eu não conseguia recordar o título. Lembrava apenas da forte impressão que causou aquele enredo: Em 1951, em um hotel afastado, com chalés ao redor, um homem e uma mulher se hospedam. Uma dona de casa, que nunca se graduou em nada e um contador. No restaurante do hotel os dois se encontram na primeira noite. Ele está lá a trabalho, ainda faz a contabilidade do seu primeiro cliente e isto o leva aquele hotel na mesma data todo ano. Ela segue para um retiro, enquanto o marido e os filhos vão ao aniversário da sogra que a detesta. Por serem os dois únicos frequentadores do restaurante do hotel, se cumprimentam, conversam e este encontro vai engendrar uma história de amor surpreendente que os faz retornar por 26 anos, uma vez ao ano. A mudança do tempo é assinalada por sequências de imagens em preto e branco, as imagens dos acontecimentos no País situam o casal dentro do espaço/tempo. Por ser uma peça o filme lembra uma peça. O cenário é o chalé, com poucas cenas externas. Lá se desenvolve todo o enredo, com a performance dos dois é possível acompanhar o desenrolar da vida de ambos além do final de semana dos amantes. Eu era bem mais jovem quando vi o filme pela primeira vez, entendi que no enredo existia um desnudamento das relações humanas. Um casamento de nove anos e alguns amantes depois, o filme soa muito real, muito humano. Algumas escolhas estão acima do nosso sim ou do nosso não, se tivermos coerência com nosso interior, é claro. Um bálsamo assistir novamente ao filme, reconhecer-se em algumas cenas.
Buscando notícias do filme descobri que o filme - Um dia - com Anne Hathaway e Jim Sturgess repete - em alguns pontos - o enredo de same time, next year. Os dois se encontram durante vinte anos, o primeiro encontro em 1988. É uma versão moderna, o filme baseado no livro de David Nicholls. Não li o livro e ainda não vi o filme. Nada é tão simples. Não dá para dizer, bem, em 1951 uma mulher não deixava seu marido e os três filhos. O personagem de Alan Alda não deixaria a esposa e seus três filhos... Nestes tempos, parece estranho que duas pessoas que se amam não abram mão de outras hístórias para viverem lado a lado. Não li o livro, não vi o filme. Alguma razão ainda leva duas pessoas que se amam a viver em universos geográficos separados. Mas, as similaridades pedem que eu descubra como se desenrola o enredo de Um dia. algo me diz que é só mais uma comédia romântica (ou drama?) made in USA.

Tuesday, February 14, 2012

carta celeste em esperanto



O amor é uma carta celeste em Esperanto. Um céu que não se compreende. Constelações em desalinho. Temos diante dos olhos e diante dos dedos que apontam este céu que oprime, apenas códigos. É preciso embebedar-se de infinito, rasurar retina dissecando imagens, então, quiçá, replicar aquela cena do matemático Nash que tece figuras pelo céu segurando a mão da amada naquele filme Mente Brilhante. Talvez o amor seja apenas Matemática, quiçá pura Gramática. Ou matéria desconhecida que ainda não chegou até aqui. O que sei do amor? O que o amor sabe de mim? As mulheres livres não convivem muito bem com as algemas do "amor". Estes códigos, jogos, submissões. Algumas mulheres preferem isto, seguir as regras. Empoar a individualidade para não ficar sem ter alguém ao lado. Existem lições para isto, muitos conselhos. Hoje estão pululando livros. Eu os desprezo. Livros que enganam, tantos que sobem ao topo das listas dos mais vendidos. A vida? Devo dizer o que é a vida. É alcançar o objeto do seu supremo desejo e calar. Esconder nas entrelinhas da tua carne a hora gloriosa. Não. A regra é não. O sim está na moda. Tão facebook, tão ciranda de fitas. Asfixiaram o amor com o politicamente correto. E o amor não é esta falta de senso. O amor é o centro. O atirar-se sem redes. Esta doçura de doer sem dor.  O mundo me apavora. Jogo o anzol da memória e colho os amores que assisti ao vivo. Nenhum com o roteiro igual ao outro. Cada caminho tem uma cor, um cheiro, um lugar, um som. Cada pessoa tem seu próprio código e para dar de cara com isto  é preciso atingir o ápice do - humano - basta ser. Mas, vão continuar semeando corações vermelhos e fitas lilases, frases feitas, livros com a palavra - felicidade. E do que sei deste tipo de amor humano é que ele é uma luz, fagulha que despedaça, estilhaça teu coração em uma constelação invisível que vai ficar eterna em um céu (que tu conheces) e recuperas um dia, uma hora. Nada a dizer, para saber este momento, há que viver. Talvez por isto as mulheres fortes, estas mulheres que eu admiro morreram sozinhas, a grande maioria. Elas que possuiam a  força entranhada de mil estrelas em suas almas e a coragem de ir em busca da sua carta celeste pessoal. Para dizer, esta é a minha estrela, minha constelação, nebulosa de fogo, minha cama na Via Láctea... Tenho asas.

**

II






Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu


Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

Hilda Hilst




**

 
 
O amor é uma sombra.
Como você chora e mente por ele.
Ouça: estes são seus cascos: fugiram, como cavalos.
Sylvia Plath
 

**


"Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis?"

Ana Cristina Cesar

**


Que mal amor es sus labios
El infierno es este cielo


Lila Downs
**

O que eu poderia fazer sem o absurdo e sem o efêmero?

Frida Kahlo
**


Quando é que o amor acaba? Se você disse que se encontraria com alguém às 7 horas e chega às 9, e ele ainda não chamou a polícia, o amor acabou mesmo.


Marlene Dietrich



**


Tão logo essa palavra ''amor'' lhe ocorreu, ela a rejeitou.

Virginia Woolf

**

Nem tudo precisa ser revelado.
Todo mundo deve cultivar um jardim secreto.

Lou Salomé


**


 

'Ninguém canta com tanta pureza como os que estão no mais profundo inferno; seu canto é o que acreditamos o canto dos anjos'
Franz Kafka, em carta a Milena Jesenská


**

Sáfaras noites bárbaras!
fosse eu por ti
vi'king's - cenário e fúria
nossa luxúria!

Correr coxias
Donne's - compassos -
porto in'seguro
e cuor ingrato!
De um bote ao éden
THALASSA! THALASSA!
possa essa noite ricochetear
maremotos!

Emily Dickinson
trad. Maria do Carmo Ferreira

Sunday, February 12, 2012

Valentine's Day V

Fernando Lemos: Hilda Hilst




Vida da minha alma:
Um dia nossas sombras
Serão lagos, águas
Beirando antiqüíssimos telhados.
De argila e luz
Fosforescentes, magos,
Um tempo no depois
Seremos um só corpo adolescente.
Eu estarei em ti
Transfixiada. Em mim
Teu corpo. Duas almas
Nômades, perenes
Texturadas de mútua sedução.
(LXVII)

Hilda Hilst(Cantares de Perda e Predileção -1983)


Para comemorar o 14 de fevereiro  - Valentine's Day - pensei em várias postagens, mergulho em amores e poetas. Acabei raptada pelo livro que escrevo e ficou este registro pequeno. Dois filmes, a frase de Anaïs Nin. Um soneto que escrevi vestindo a pele de Neera, uma das musas de Ricardo Reis. Melhor ler os livros de Henry Miller e Anaïs Nin. Passar meses lendo Fernando Pessoa, como fiz ano passado. Melhor ler a obra de Hilda Hilst. Ficamos replicando gigantes e é preciso que os poetas vertam sua tinta interior. Narrem seu tempo e seus amores. Importa é registrar a vida, esta que escorre liquida. Hoje li a segunda parte das memórias de Ana Lúcia Vasconcelos do tempo que ela conviveu com Hilda Hilst, está no site Musa Rara:



Recolhendo similaridades - Hilda só fazia o que queria. Vivia apaixonadamente, não importava se a paixão era por um homem, ou uma idéia. Muitos estranharam quando Hilda publicou seus escritos eróticos. A escrita passa pela vida, por ela inteira, e o erotismo é parte da vida, não é possível separar corpo e alma. Somos uma entidade interligada e matar algo em nós no corpo ou na alma, acaba por matar corpo e alma. A arte diviniza o corpo. Pornografia é a ausência da Arte, o despir a alma e focar apenas na matéria/carne. Hilda colocava em tudo sua alma e sua obra, ainda que considerada pornográfica, era apenas o lado erótico, o desejo. O desejo que ela cantava sem pudores, este que é proibido. Principalmente em boca de mulheres, este que - já no terceiro milênio - a humanidade ainda estranha. Ainda assim, só conhece Hilda Hilst quem penetrou a densidade de luz de seus poemas.

Saturday, February 11, 2012

Valentine's Day IV




Hoje à noite eu o amo pelo modo adorável como ele me deu a Terra.
Anaïs Nin

Friday, February 10, 2012

Valentine's Day III

fragatas no Tejo




Aqui, Neera, longe
De homens e de cidades,
Por ninguém nos tolher
O passo, nem vedarem
A nossa vista as casas,
Podemos crer-nos livres.

Bem sei, é flava, que inda
Nos tolhe a vida o corpo,
E não temos a mão
Onde temos a alma;
Bem sei que mesmo aqui
Se nos gasta esta carne
Que os deuses concederam
Ao estado antes de Averno.

Mas aqui não nos prendem
Mais coisas do que a vida,
Mãos alheias não tomam
Do nosso braço, ou passos
Humanos se atravessam
Pelo nosso caminho.

Não nos sentimos presos
Senão com pensarmos nisso,
Por isso não pensemos
E deixemo-nos crer
Na inteira liberdade
Que é a ilusão que agora
Nos torna iguais dos deuses.
Ricardo Reis - Odes De Ricardo Reis

 
 
Usando a liberdade poética, pensei que - ao morrer Fernando Pessoa - com ele morreram todos seus heterônimos, criei alguns versos e um diálogo dos personagens dos poemas com o seu criador, em uma despedida, um adeus. Neste soneto que segue, Neera se despede de Ricardo Reis, emprestei o título do livro de Saramago para o poema... Um tributo aos amores inventados, alguns mais reais que os reais.
 
 
 
 
O ano da morte de Ricardo Reis



Não cante o desprezo aos deuses, Ricardo
Não colha as flores mortas ao lado do Tejo
Os fardos humanos são apenas isto – Fardos
E os beijos sensuais são apenas isto – Beijos

Sou toda verão na alcova, acesa, à tua espera
Estonteante mulher que levas a ver as flores
Enquanto os pássaros trinam alto – Neera!
Nada nos falta, mas, em ti brotam mil dores

Quando a morte te buscar, aquela que conheces
Voltarei aos prados colhendo as flores vivas
Tocarei a pele do planeta murmurando preces

Banquetearei na relva, as flores como convivas
Dói, Ricardo, saber que todos os campos serão meus
Ainda orvalhados de lágrimas dos belos olhos teus

 
Bárbara Lia
in Fotogramas em flor de algodão (livro em construção)

Wednesday, February 08, 2012

Valentine's Day II

Paul Giamatti interpreta Barney Panofsky em Barney's Version, que no Brasil tem o título - A minha versão do amor. Na noite do seu segundo casamento Barney dá de cara com Miriam. Ela é a sua versão do amor. E a persistência dele vai vencendo a resistência dela. Lembra uma canção do Vinícius de Moraes:


O meu amor sozinho
É assim como um jardim sem flor
Só queria poder ir dizer a ela
Como é triste se sentir saudade

É que eu gosto tanto dela
Que é capaz dela gostar de mim
E acontece que eu estou mais longe dela
Que da estrela a reluzir na tarde


Não é aquele humilhante - amar pelos dois - que pressupõe um ritual masoquista e não uma história de amor. É aquela aposta no Belo - Vou te amar tanto, até o meu amor te alcançar e te transformar em amada minha. Em resumo, ele  incorporou aquela bela máxima do Banquete de Platão - Amar é gestar o belo. E não é? Paul Giamatti é ótimo. O filme acompanha o fio da vida de Barney. Todas as suas loucuras, delírios e acima de tudo sua coragem. Um história de amor. Sem linha traçada e laços lilases, sem cinderelas ou principes, apenas as escolhas e as certezas. Também as grandes burradas que fazemos em nome desse mesmo amor. 


Valentine's Day I

Monday, February 06, 2012

Morena dos olhos d'água

Morena, dos olhos d'água,
Tira os seus olhos do mar.
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra lhe dar.
(Chico Buarque)



Volver a los 17 - Campo Mourão (PR)





Nos bailes da vida, coca-cola  na mesa. Clube 10 de Outubro - Campo Mourão - A garota ao meu lado é a Teka, esqueci o nome do cavalheiro...


Formatura do Ginasial, 14 aninhos, ao lado do meu irmão Flávio - Clube Social de Peabiru

Praia do Conde - Bahia -  1981

a flor dentro da árvore

“Uma migalha de mim”

 

Teço
Um ego-vidraça
Para que enxergues
Meu Eu


Teço
Uma nuvem lassa
Cortina que qualquer mão
Atravessa


Teço
Um hímen de fumaça
Sobre a virgem essência
- tudo o que sou Eu

Bárbara Lia
A flor dentro da árvore / 2011

Saturday, February 04, 2012

Hilda Hilst


Hilda Hilst (Jaú, 21 de abril de 1930Campinas, 4 de fevereiro de 2004)





Poema V

A Federico García Lorca




Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu
pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
que bebi na tua boca a fúria de umas águas
eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.
Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.
E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória
e cantar de repente: “os arados van e vên
dende a Santiago a Belén”.

Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?

"El passado se pone
su coraza de hierro
y tapa sus oídos
con algodón del viento.
Nunca podrá arrancársele
un secreto.”

E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos
azuis, braços e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!
Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados
de infância, de plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.
Companheiro. Que dor de te saber tão morto.

Hilda Hilst in "Poemas aos homens de nosso tempo”, Ed. Globo, São Paulo - 2003

Friday, February 03, 2012

Deus guarde o lobo atrás do qual nenhum cão corre latindo - Ted Hughes






































Sylvia in Paris, 1956

(Gordon Lameyer)"




Lá você o achou - o mistério do ódio.
Após bilhões de anos na matéria anônima.
Lá você foi achada e logo odiada.
Você tentou tanto alcançar essas pessoas, tocá-las, dar-se a elas -
Tal como suas primeiras palavras na infância,
Quando você corria para cada visita que entrava
E abraçava-lhe as pernas, dizendo: "Meu amor! Meu amor!"
Tal como você dançava para seu pai
Na casa da raiva - dando sua vida
Para adoçar-lhe a morte lenta e misturar-se a ela
Quando ele jazia no sofá, sobre as almofadas,
Açucarando-lhe o amargor da morte fera.
Você buscou a si para seguir se dando
Como se após o ocaso da morte dele
Você continuasse a dançar na casa escura,
Aos oito anos, coberta de ouropéis.
Buscando-se a si própria no escuro, a dançar,
Desajeitada, chorando baixinho,
Como quem procura um afogado
Em água escura,
E tenta ouvir-lhe a voz - com pavor de perder
Alguns segundos de busca no esforço de escutar -
Depois dançando com mais fúria no silêncio.
Os acadêmicos levantaram as cabeças. Pelo visto
Você estava perturbando uma perfeição
Recém-obtida, que eles seguravam com cuidado,
Inteira, até a cola secar. E como quem
Denuncia um crime à polícia,
Informaram-lhe que você não era John Donne;
Isso não lhe importa mais. E os nomes, você ainda lembra deles?
Fizeram questão de lhe deixar claro, a cada dia,
Que desprezavam toda tentativa sua,
E injetavam a bílis deles no seu café matinal,
Como se fosse remédio. Até assinavam
Suas cartas homeopáticas,
Envelopes com vidro cuidadosamente moído
Para pôr atrás de seus olhos e fazê-la ver
Que ninguém queria o seu brilho estranho - sua vida
Desajeitada, a se afogar, e seus esforços para salvar-se.
Nadando em pé, dançando o caos escuro,
Procurando algo para dar -
Tudo o que você achava
Eles bombardeavam com farpas,
Escárnio, lodo - O mistério desse ódio.

TED HUGHES
Cartas de Aniversário
Ed Record
Tradução - Paulo Henriques Brito

Wednesday, February 01, 2012

Melancholia II


melancholia (lars von trier)




esta tristeza vaga profunda e permanente
esta música persistente - Nona Sinfonia
rasga meu coração ouço acre odor podre
do teu adeus lavo-me com bucha vegetal
sabonete de lavanda para espantar a fria
carnadura de dor das minhas entranhas
anseio ir viver em um antro de gueixas
onde um velho cultua uma espada fria
para transpassar tua alma – cimabaixo –
e nadar nas águas tuas de dentro – nua -
o meu canto é negro, denso e triste, nada
vai alterar esta caótica visagem – esfuma
a cada giro das asas do temível beija-flor

Bárbara Lia
2011

La nave va...

Um dedo de prosa

  Fui selecionada, ao lado de vários escritores e escritoras, para integrar o projeto "Um dedo de prosa". Um dedo de prosa promove...